Narcísio era belo e o sabia. Todos os dias fitava-se em frente ao espelho, admirava-se. Estava apaixonado. Horas e horas do dia eram perdidas em frente à aquele objeto reluzente. Passou a amar a imagem, e preferia esta ao real, o significante a significado, amava a imagem e odiava a si próprio.
O espetáculo repetia-se cotidianamente. Deixou de comer, conversar, estudar, relacionar-se. Deixou de pensar. Seu único pensamento era a imagem refletida no espelho, ela era a verdade absoluta, era a imagem do mundo, era o mito que se impunha ao mundo concreto. A própria vida deixou de ser importante.
Essa paixão que, repito, não era por si mesmo, mas pela imagem especulada e espetacularizada, o levou a loucura. Os amigos tentavam alertá-lo, mas de nada adiantava, eles eram menos reais que a imagem.
Um belo dia, ao sair – forçada-mente – com os amigos e ver as belezas do mundo admirou-se com as coisas que estava perdendo enquanto olhava-se no espelho, ficou impresionado com o mundo, tal como ele era.
Um lago mostrou-se à sua frente e sua beleza era tanto que se aproximou, lentamente, deste. Que coisa tão bela era aquela, que nunca tinha visto? Era uma beleza fantástica, única, indescritível... Era o seu reflexo na água. Este, num impulso incontrolável saltou no lago em busca da própria imagem. Esta esboroou-se e a lama passou a puxá-lo para cada vez mais fundo. Estava afogando-se e sentiu-se tão sufocado quanto um trabalhador condenado vender-se oito horas por dia para sobreviver. O reflexo que o dominava, naquele instante, passou a causar-lhe repulsa, a mesma de quem está morrendo e sabe o porquê. As luzes do mundo se apagaram.
Acorda algumas horas depois em seu quarto, um amigo, que também era bom nadador o salvou da morte. Neste instante decidiu quebrar todos os espelhos, e viver o avesso da imagem que por tanto tempo o encantou. Queria agora mudar o mundo, que via agora com clareza...
Eis a Utopia.
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