segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Nós, ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos

Das profundezas das catacumbas fétidas de lugar nenhum um forte ruído ecoa. Todos os cadáveres envolveram-se em uma árdua discussão por conta de uma inútil questão levantada por uma carcaça ainda em decomposição.
            - Será que existe vida antes da morte?
            - É claro que sim – retrucou um crânio – pois para estar morto pressupõe-se que um dia se esteve vivo!
            - Acho pertinente sua colocação meu caro amigo – disse um amigavelmente um dos defuntos – mas assim sendo, pergunto-lhe: o que é viver?
            Por um instante todos ficaram em silêncio, dada a complexidade da questão. Até que de dentro de um sarcófago, ouve-se uma voz:
            - Viver é estar vivo oras, ao contrário de nós que aqui estamos confinados, quem vive é livre para fazer de sua vida o que quer!
            - Será mesmo que quem vive é livre pra fazer o que quer de si mesmo?
Disse o defunto.
            - Estou certo disso
Afirmou a voz do sarcófago.
            - Concordo contigo – falou o defunto – quem vive é realmente livre para fazer o que quiser de si mesmo. São livres para comer, desde que tenham dinheiro para pagar por isso. São livres para trabalhar aonde quiserem desde que lhe queiram empregar. São livres para ir aonde quiserem, desde que tenham os documentos para cruzar as fronteiras e dinheiro para o transporte. Livres para amar, desde que o trabalho lhe dê tempo para fazê-lo com dignidade.
            - Mais deste ponto de vista, os vivos não são mais livres do que nós, que já esticamos as canelas – disse o crânio.
            - Pois é, mas eles têm a possibilidade de guiar a própria vida, de viver plenamente, mais preferem seguir como máquinas, fazendo todos os dias as mesmas coisas. Acordar cedo, ônibus, trabalho, almoço, trabalho, casa, dormir, acordar cedo, ônibus…sempre no mesmo ritmo, juntando as migalhas que ganham para que um dia possam curtir a vida como se deve – completou a carcaça.
            Até que sabiamente conclui o crânio:
            -Verdade, são todos escravos de si mesmos, deixam-se explorar e nem se dão conta disso. São todos uns tolos que esperam pela morte para começar a viver…
            Assim encerra-se mais uma noite de discussão inútil e tempo perdido nas terras de lugar nenhum que não pertencem a ninguém.

Um comentário:

  1. Está escrevendo muito bem.
    5 minutos ganhos na minha vida, lendo algo interessante :)
    Abraços.

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