Primeiro levaram os negros. Mas como não sou negro, não me importei e nada fiz. Depois levaram os índios. Como também não sou índio, não me importei. Em seguida, levaram os pobres, e como não sou pobre, deixei as coisas acontecerem. Mas agora estão me levando, muitos observam, mas ninguém faz nada.
Há algum tempo anunciaram a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014. As pessoas comemoraram, pois seria uma oportunidade única para assistir de perto esse grande evento de porte internacional. Dias depois os jornais passam a anunciar um aumento da violência no país como um todo, propondo a construção de mais presídios, como se a solução para o problema fosse colocar todo mundo na cadeia.
Mais isso não bastou, na cidade de São Paulo, após o anuncio da construção do estádio de abertura da Copa no bairro de Itaquera, região periférica da cidade, os terrenos se valorizam absurdamente, de um dia para o outro, ao mesmo tempo em que pipocam incêndios (comprovadamente criminosos) seguidos de desapropriação nas favelas da região, obrigando toda uma população a se deslocar para ainda mais longe do centro da cidade. Neste mesmo centro, continua um processo de “revitalização”, com projetos do governo como a “Nova Luz” e “Cidade Limpa”, que esvaziou os cortiços, onde viviam trabalhadores para a construção de museus inúteis e condomínios de luxo. A antiga “cracolândia” se espalha pela cidade, devido ao aumento da repressão policial na região, deslocando-se cada vez mais para as periferias.
No Rio de Janeiro, que também será cidade sede do evento, inicia a ocupação das comunidades pela PP (Polícia Pacificadora), que com seus fuzis, metralhadoras e pé na porta da casa dos moradores levou a “paz” aos morros cariocas, de acordo com os jornais. Parece que não foi o suficiente, pois nesta semana decidiram utilizar as tropas brasileiras (aquelas mesmas que treinavam guerrilha urbana em terras haitianas) para invadir os morros com o discurso de que houve uma reação dos traficantes destas mesmas comunidades.
O mundo está dividido em dois tipos de pessoas, as que não comem e as que não dormem. As que não dormem não o fazem com medo das que não comem. Se todos tivessem pão e condições dignas para desfrutar da própria vida, é certo que não teríamos mais problemas com a violência, pois todos comeríamos e todos dormiríamos. Pare pra pensar um instante, quase todos os casos de violência que ocorrem envolvem algum tipo de apego à propriedade de alguém sobre algo ou outro alguém. Exemplo claro são os roubos, uma pessoa que tem alguma coisa entra em confronto com uma pessoa que não o tem, as duas disputam a propriedade deste objeto por meio da violência. O mais forte leva. Ou ainda um caso de violência contra a mulher, pois o homem se faz proprietário dela, sentindo-se no direito de agredi-la.
Parece que as nossas autoridades se recusam a enxergar que as origens do que eles chamam de “crime organizado” é, antes de tudo, um problema social, não um problema policial. Enquanto houverem marajás e miseráveis convivendo no mesmo espaço, haverá violência. Será por isso que nas grandes cidades se expulsa a população carente para cada vez mais longe dos centros? Bom, mas resolveer o problema social leva tempo, e os gringos não iriam gostar de ver de perto a pobreza existente nas terras tupiniquins. Temos que manter a boa imagem e a pinta de playboy, afinal de contas, estamos crescendo. É mais fácil mandá-los embora.
Parece-me interessante em clima de copa do mundo ver que a população que constrói a cidade e os estádios não ter o direito nem de assistir os jogos nem de habitar as cidades sedes. Agora observe o nosso contexto histórico: aumento da repressão nas comunidades carentes, a mídia de massa com forte ideologia elitista, crescimento econômico, criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, fortalecimento dos partidos e programas conservadores dentro e fora das eleições, perseguição étnica (o caso dos nordestinos em São Paulo ). Me lembra muito o contexto da Alemanha e da Itália nas décadas de 1920 e 30. Estão me levando agora. Levam-me porque percebi que, esta política que temos se aproxima muito do nazismo e do fascismo, que muitos acham que ficou no passado. Querem-me calado, cabeça baixa, sozinho. Mas eu grito, esperando que minha voz seja ouvida e se junte a outras, formando um coral que abafe todas as vozes do Estado, do poder e do autoritarismo. Grite! Revolte-se! Pois eles podem levar você depois de mim.
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