quarta-feira, 29 de junho de 2011

Há um fantasma no canavial!

Sombras circundam o canavial. Espectros aparecem, assombrando o mundo terreno. São fantasmas que determinam as condições do mundo material, a ficção determinando a realidade. Estamos falando do trabalho morto.
O sistema capitalista de produção determina-se, sobretudo, pela apropriação de mais-valor de toda a classe trabalhadora por uma burguesia detentora dos meios de produção, consciência e existência. A classe trabalhadora produz, através da incorporação de valor a elementos – assim chamados – naturais através do trabalho que os indivíduos desta classe efetuam. Tudo é capital, variável (mão-de-obra assalariada) ou constante (Estrutura predial e máquinas).
Nos canaviais que ocupam extensa área do Estado de São Paulo, é cada vez mais difícil encontrar locais onde o corte da cana-de-açúcar é feito manualmente. Esta substituição é freqüente, frenética e, dia-a-dia substitui trabalhadores por máquinas colheitadeiras, tecnologia de ponta. Aqueles, os trabalhadores, permanecem ainda nos locais onde a declividade do solo é mais acidentada e declivosa, onde as máquinas –  ainda –  não conseguem nada cortar. Estes trabalhadores, migrantes em sua quase totalidade, são reflexo da perversidade destes fantasmas, que reinam absolutos entre os mortais.
O desenvolvimento tecnológico da linha de produção (capital constante) permite que a produtividade da usina produtora de açúcar e álcool aumente consubstancialmente, exigindo, assim, um menor número de trabalhadores para que se produza a mesma quantidade de mercadorias. Estes, agora inúteis, vão, em todo lugar, engordar o exército industrial de reserva, e um único homem é capaz de fazer o trabalho feito anteriormente por 50, 100, 200 trabalhadores. Mas como só o trabalho vivo é capaz de incorporar valor, e dado que o tempo médio de produção da mesma quantidade de mercadorias caiu drasticamente, ocorre o que chamamos de queda tendencial da taxa de lucro, uma vez que com menos trabalho, cada mercadoria, individualmente passa a possuir um valor menor. Temos então um momento de crise. Crise de acumulação, crise de produção, crise do trabalho, enfim, crise do capital.
Para superar tal estado de crise o capital deve expandi-se no território, no espaço, tendo em vista obter mais capital variável e capital constante, ampliando assim o que conhecemos por mercado consumidor. A crise do capital é assim, também, a sua expansão. Crise e desenvolvimento das forças produtivas são processos simultâneos.
 Um grande exemplo disso é a grande extensão de terras cultivadas com cana-de-açúcar, dado que o capital variável utilizado é ínfimo e, no extremo, tende à zero, necessitando de grandes extensões de terra para manter-se dentro do processo de circulação de mercadorias, onde sobrevivem, única e exclusivamente, os grandes monstros que são as grandes corporações, como COSAN, Aracruz, Esso, entre outras por nós conhecidas. Estas sobrevivem por serem as únicas capazes de suportar o ônus da produção açucareira em sua crise de acumulação de capital fictício, sem lastro de trabalho vivo.
Uma das estratégias para a “superação” desta crise é o sobre-lucro obtido através da renda diferencial da terra. Este se faz da seguinte maneira: O preço das mercadorias produzidas na agricultura se dá pelos piores solos, ou seja, aqueles em que a produtividade por área é menor. Como este produtor – o do pior solo – precisa de uma taxa de lucro mínima para sobreviver no mercado, o preço deste servirá de base para todos os outros. Assim, aqueles que possuem terras com qualidade superior a este obterão a taxa de lucro deste acrescida pelo valor incorporado pela maior produtividade do seu solo. Este que obteve o sobre-lucro terá uma sobra de capital que poderá ser investida e capital constante (máquinas e insumos) aumentando  - posteriormente – ainda mais a diferença deste para aquele primeiro produtor.
No entanto, com o capital social investido em universidades[1] para o desenvolvimento de maquinário, insumos, alteração genética de plantas, agrotóxicos, etc., homogeneíza-se cada vez mais esta diferença entre os solos mais e menos férteis, modelo que, no entanto, encontra-se em uma crise eminente, uma vez que, homogeneizando, o sobre-lucro obtido da renda diferencial da terra é cada vez mais diminuto. Subsídios governamentais[2] garantem a permanência destas grandes corporações no campo, mantendo o lucro médio.
Todo este processo leva a uma crise intensa do trabalho, uma vez que trabalhadores são substituídos à larga escala por maquinas. O trabalho vivo é substituído pelo trabalho morto, gerando intensos fluxos migratórios rumo à qualquer lugar onde se possa obter qualquer emprego. Como não há vagas para todos no mercado de trabalho vemos a criação de uma imensa massa de desempregados, que sobrevivem apenas de subempregos e incentivos governamentais, como o bolsa-família[3], e às vezes nem isso. Há então, através dos veículos de alienação, a transferência na responsabilidade de um problema sistêmico para o trabalhador desempregado, pois este “não trabalha por que não é qualificado”, “quem se esforça consegue”. Ídolos são criados para serem seguidos, pois se eles conseguiram enriquecer de maneira digna dentro deste sistema, qualquer trabalhador comum também pode fazê-lo[4]. Mas será que há vaga no céu para todos?
Somente a extinção destes fantasmas – e fetiches –  que ditam soberanos sobre a vida e sobre a morte poderá nos responder.


[1] Dinheiro público, contribuição de toda a sociedade, sejam trabalhadores ou não.
[2] Mais uma vez, dinheiro público, contribuição de toda a sociedade, sejam trabalhadores ou não.
[3] Outra vez, dinheiro público, nota-se aqui o papel fundamental do Estado na administração da crise do modo capitalista de produção.
[4] Haja vista o emblemático caso de Silvio Santos, que passou de camelô à um dos mais emblemáticos milionários do país.

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